segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Selvagem


Jogar o jogo do corpo não é uma aventura fácil. Jogar o jogo do corpo pode ser perigoso. O seu corpo, o meu corpo, o corpo do outro. O meu corpo no corpo do mundo. Quando ouviu a voz de fora que dizia lenta e calma o comando certeiro "toca teu corpo" ela quase teve medo. Mas ela gostava tanto do medo que tentou se forçar àquela sensação... quase nunca se sentia realmente encurralada, então ter medo era um pequeno fetiche. Mas o medo não veio. Pensou que conhecia cada polegada daquele corpo, daquele globo, daquele mapa, daquele terreno que carinhosamente um dia apelidaram de Deserto. "Deserto? Deserto, eu?" perguntou um dia ao moço entre sorrisos e mordidas sem se ofender em ser Deserto, sabia ela de sua condição de Deserto: se sabia árida, quente, por vezes seca e até misteriosa. "Deserto sim senhora" respondeu o moço... "Esqueceu que terra e fogo dá Deserto?"
Voltou. Respirou o corpo. Cheirou o corpo. Lambeu o corpo. Só não pensou o corpo. E as sensações que a punham presa em seu corpo lhe trouxeram a imagem das grandes caravanas que vagavam indômitas por quilômetros de areia e sol. Pra onde iriam? O que buscavam? Seria o caminho o objetivo em si de se perder em desertos de desertos sem fim?
Um olhar ao longe. Um dedo que toca o contorno sutil e arredondado: umbigo. Esse pequeno oásis. E nesse instante ela se sente tão perdida (e gosta) que sussura baixinho o presente secreto que se dá agora e para toda a vida: meu. Meu umbigo é o centro do mundo, meu umbigo é um oásis e essa é a água que não darei a ninguém.
"Se eu pudesse ser de alguém nesse mundo eu seria sua, mas certas coisas apenas não podem ser de ninguém". Relembra o moço por um instante e entende brevemente a solidão de sua liberdade: arredia em sua natureza, ela sabe que terra e fogo não são apenas Deserto, como também Vulcão.

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