Era estranho porque dessa vez bastou uma coincidencia para que ela acreditasse. Saindo de algum lugar que não se lembrava mais onde era, entrou no carro decidida a ir pra casa. Escutava Tom Waits e sem saber porque quis voltar. "With charcoal eyes and Monroe hips" dizia a canção sobre essa moça, "Well I hope that I don't fall in love with you" cantavam seus lábios sem saber que previa cantarolando todo o amor que iria sofrer. Sofrer de amor, morrer de amor sempre existiu.
Estacionou num lugar barulhento, muita gente, estranhos lhe acenavam e enquanto a mulher negra cantava no palco com sua voz potente, enquanto uma jovem fumava um cigarro pela primeira vez, ela esbarrou no moço de dreads. Todas as garotas do lugar o desejavam. Ela não. Ela nem notou. Ela nem percebeu que aquele era o "cara lindo da banda totalmente demais". Ela nem sabia que uma semana depois seriam companheiros de trabalho, ele o novo ator, não sabia que dividiriam a cena, a dança, a música, a maquiagem, a água... que um mês depois a água dividida seria a da saliva da boca molhada no meio da seca daquele lugar. Depois da boca, a cama, o carro, e mais uma vez o palco, e mais uma vez o abraço, mas nunca nunca o amor.
Eram dois bichos, nunca fizeram amor, o amor é que os fez selvagens, indomáveis entre gritos primitivos e olhos que nunca paravam de se olhar. Eram livres, ele em sua mansidão linda e doce que revelava vez por outra um desdém que ela preferia não conhecer. Ela, dona de si, das suas contas, da sua música, dos seus sapatos, dos seus pés calçados em flor e cetim, dos seus cabelos, do seu humor ácido, sagaz, cruel. Dizem por aí que todo mundo quer viver um grande amor... desses que Hollywood ensina pra gente, desses de tirar o fôlego, o ar, os pêlos, desses de querer pra sempre. Eles não, ao menos não um com o outro. Sabiam de si, sabiam de si com o outro e do outro com o mundo: ela não podia ser de ninguém e ele só podia ser do mundo inteiro.
Vieram saídas, passeios, gargalhadas em dias de sol entre sorvetes que sujavam a boca inteira. Vieram histórias, vieram conversas, trocas, subidas silenciosas em árvores altas, banhos no lago, pés na água enquanto olhava aquele corpo tão tão bonito... veio um dia um "eu adoro essa música, dou ela pra você" respondido com um "a gente podia viajar, né?" e aquilo que era tão constante e tão despretensioso começou a crescer, e a pesar.
"Respirar e regar, pra crescer todos os dias". Mas aí aquele sentimento sem nome começou a tomar espaço demais."Não é natural?" todos diriam. Mas não, não se crescesse em apenas um deles. E nessa loteria do azar a escolhida foi a moça. "Não, não, não!!!!" ela repetia. Queria ser divertida, queria continuar brisa, raio de sol... nuvem não. E agora que estavam tão próximos porque estragar tudo com o egoismo de um sentimento tão sozinho, tão dela?
Não, não, não.
E se esforçava a cada encontro para parecer tranquila, falava de mil homens enquanto seu coração só sussurava "escolhe eu."
Chegou a tentar falar, mas ele talvez pressentindo a carga enorme que a sinceridade traz em si, ignorou. Não por maldade, mas por mansidão, aquela mansidão que ela já não achava mais tão bonita assim. E foi embora sozinho esse moço, pro show que prometeu assistir com ela.
"Não destruir nada". Decidiu com um sorriso falso. "Ok, está tudo bem" foi a solução estúpida que encontrou para que nada desmoronasse, além dela mesma.
Engoliu a seco. Era forte. "Isso um dia passa", pensou como todo fraco faz.
Aumentou o volume da TV assistindo ao show, mas sem olhar nunca pro rosto da platéia, receando encontrá-lo na multidão. Em algum bar de esquina, Tom Waits geme rouco "Well I hope that I don't fall in love with you".
E ela nunca ia permitir que ele soubesse.
http://www.youtube.com/watch?v=sdy4ell_dtM
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